segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

UM SAPATINHO NA JANELA ( Uma reflexão sobre o amor)




Um dia eu pus um pé de um sapatinho azul na janela do meu quarto. Sabe, eu era pequenina e deveria ter quatro ou cinco anos de idade e essa imagem não sai até hoje da minha cabeça. É engraçado como certas coisas ficam registradas em nossa memória como se tivessem sido mascadas a ferro e fogo, enquanto tantas outras que pensamos jamais esquecer, são varridas de nossa memória! Era um sapatinho azul, que eu nem queria tirar do pé. Que, de tanto gostar, minha mãe cortou o bico para caber por mais algum tempo. Como acreditava que o papai Noel viria na noite de Natal, eu o coloquei na janela do quarto que dava para o corredor avarandado e florido da casa que morávamos quando crianças.
Imaginava que ele viria pela lareira – que nem havia na casa - mas nunca o via descendo. Imaginava que ele tinha um gorrinho vermelho, que era gorducho e tudo mais, mas nunca o via chegando, nem encontrei presentes no sapatinho.
Sempre tenho a sensação de que ele vai chegar, até hoje, no dia de Natal. Talvez seja por esse motivo que a troca de presentes de “amigos secretos” me traz, mais ou menos, essa mesma sensação. Para mim o poeta é um arqueólogo, que ele desenterra coisas nas entrelinhas da memória, desde a nossa mais tenra infância, para desvendarmos os segredos mais bobos que guardamos quando escrevemos ou os evocamos. Daí, a nossa criança vem à tona, faz a cena ser super atual e preciosa como um verdadeiro achado arqueológico. Creio que o que restou das lembranças desse sapatinho, além do registro de uma experiência tão singela e da absorção do significado lúdico de histórias infantis que vingaram até agora, foi a esperança. Aprendi a esperar pelo natal, por um papai Noel que sempre vem de alguma maneira. Aprendi a ler os bons sentimentos, os meus e os dos outros que me cercam com carinho, no dia a dia e sempre muito mais nessa época.
Aprendi novas formas de amor, até inexplicáveis, às vezes, para explicar a razão da nossa vã filosofia. Aprendi que, apesar de buscarmos a paz, existirá sempre divórcio, relações vazias e sem sentido; que crianças maltratadas e abandonadas sempre estiveram fora dos olhares de amor dos pais ou responsáveis; que tem gente sem tempo e sem carinho, ou para dar, ou para receber. Que por razões estranhas, casais permanecem juntos apenas para trocas de agressão. Aprendi que irmãos, filhos ou pais podem ser outros que não tenham o nosso sangue e que poderemos amar os que são à distância ou em silêncio. Aprendi que estar ao lado nem sempre é ato físico: longe, às vezes, também é perto. Que a melhor forma de domínio e de querer mudar é ter domínio próprio e que isso é dom do Espírito. Que aceitar a espera da providência divina sem deixar de fazer o que deve ser feito é a melhor forma de viver. Aprendi, enfim, que nesse mundo tão confuso e pleno de contradições intrigantes, bom é permanecer na fé e cultivar as boas lembranças, até mesmo de um sapatinho azul cortado no bico, à espera de um papai Noel, que talvez não nos venha no dia simbólico, mas certamente virá em dias inesperados e é nesse momento que o amor acontece. Ele acabou de chegar pra você, você viu?

Vania Viana - Maceió – 26.12.2009

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